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terça-feira, 31 de julho de 2012

PRINCÍPIO DA MANDALA


Num contexto mais amplo, a mandala é um paradigma do funcionamento natural dos fenômenos. Enxames de abelhas decidem coletivamente sobre a adequação de novos lugares para colmeias. Famílias têm intrincados padrões de atividade e comunicação, com interconexão dos papéis. A única opção que resta de transformação, de acordo com o Vajrayana, é tomar nosso assento em qualquer lugar do mundo em que nos encontramos e o reconhecermos como uma mandala. Nossa vida só pode ser vista como uma mandala se incluir tudo, todas as qualidades positivas, bem como tudo o que gostaríamos de ignorar, rejeitar ou distanciar-nos. Esta mudança no paradigma de trabalho de como pensamos e de se relacionar é o poder transformador da mandala, e é a base do tantra como um poderoso método de meditação budista. Acentua o nosso comprometimento no contexto da experiência e sela as fronteiras sem nenhuma possibilidade de fuga, de modo que nos relacionamos com tudo plenamente.  
Normalmente somos muito espertos e fazemos todo o possível para escapar da experiência de sofrimento, de que o Buda falou de forma tão eloquente. O poder da prática Vajrayana vem dessa simples tecnologia de claustrofobia, na qual o praticante se compromete com a perspectiva da mandala. Quando experimentamos o nosso sofrimento diretamente, sem a diluição dos padrões habituais de fuga, o insight surge naturalmente. Nós podemos começar a experimentar o coração do nosso sofrimento, que é auto existente de sabedoria. O segredo é desistir de qualquer esperança de escapar do sofrimento e isso realmente abre a porta para a compaixão e ação hábil. Uma vez que a compreensão profunda do espaço, do vazio, da luminosidade é realizada, a mandala passa a ser uma expressão da dinâmica do mundo. Sem um ser supremo ou deus, tudo no mundo é uma emanação transparente, um jogo no espaço vazio.
- JUDITH SIMMER-BROWN -  Extraído de Dakinis Warm Breath: The Feminine Principle in Tibetan Buddhism 

sábado, 28 de julho de 2012

CONTEMPLAÇÃO DIÁRIA SOBRE A MORTE



De noite, quando você deixa as atividades do dia, você deve se empenhar numa série de meditações contemplativas, similares a essas:
 
"Tudo bem, logo estarei caindo no sono. Sobre quantas pessoas ouvi dizer que tinham ido dormir e nunca acordaram? Quando eu deitar minha cabeça no meu travesseiro, posso não levantar de novo. A morte não é tão complicada. É simplesmente uma questão de não conseguir respirar mais uma vez. Então estarei morto. Isto pode ocorrer comigo esta noite em meu sono".
 
Então, crítica e honestamente, olhe para a sua vida e pense: "Se eu morrer esta noite dormindo, o que fiz do meu dia? Que fiz com a minha vida? Fui de algum benefício ou causei algum dano?". Algumas vezes não é tão agradável ver o quão autocentrado e egoísta você tem sido, o quão focado no "eu, meu". Qual quer que tenha sido este o caso, você criou um carma que, em última análise, impele a mente numa direção difícil no momento da morte. É como a movimentação para frente. Se você põe algo em movimento,  continua a ir naquela direção. Se a sua mente tem se movido através de um curso negativo, quando você morrer ela continuará exatamente no caminho pelo qual ela tem se movido o tempo todo.
- CHAGDUD TULKU RINPOCHE (1930 - 2002) - Extraído do livro Vida e Morte no Budismo Tibetano. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

NOSSAS PROJEÇÕES



Na famosa história de Milarepa, quando ele deixou sua caverna para sair momentaneamente e então voltou, descobriu que a diaba da rocha tinha entrado em sua caverna e que tinha assumido cinco emanações extremamente assustadoras. Milarepa ficou tão impressionado ao ver estas diabas em sua caverna que ele não pôde nem mesmo entrar nela. Estava cheio de terror e começou a recitar o mantra de seu yidam o mais rápido que podia, e isto piorou a situação. As diabas ficaram maiores e maiores, e então ele começou a meditar sobre sua auto-natureza como sendo o yidam, e a situação ficou pior ainda. Então ele começou a recitar mantras irados e isto também não funcionou. Finalmente, em desespero, ele se lembrou das instruções apontadoras dadas por seu lama - de que todos os fenômenos surgem da mente e que todas as aparências são apenas a nossa projeção. Então ele entrou na consciência da natureza da vacuidade, a natureza da mente, e imediatamente as diabas se foram - desapareceram. Esta é a história muito conhecida de Milarepa eliminando a demônia da rocha de sua caverna, de uma vez por todas. 
Até realizarmos que os fenômenos são as projeções da mente, então poderemos esperar que, a qualquer lugar aonde irmos, sempre haverá demônios, espíritos e problemas. É por isto que Milarepa ensinou que, se acreditamos na existência de um espírito externo, então ele será prejudicial; é através de nossa crença de que há um espírito existente que o dano é produzido por esse espírito. Por outro lado, se entendermos que isto é apenas a exibição da mente, então o demônio será eliminado e o dano, ou circunstâncias não-condutivas, serão evitados. Realizar a natureza vazia da mente é o significado do Chöd; rompendo ou cortando completamente o conceito errôneo, estaremos livres do dano. Se não formos capazes de praticar o Chöd, então muitos obstáculos e doenças serão experienciadas, assim como desvios sobre o caminho, porque a nossa própria mente será o demônio. Se realizarmos a natureza da mente, então o demônio imediatamente se transformará no yidam e ele dará os atingimentos espirituais. Isto é totalmente dependente do reconhecimento da exibição da mente. Se não pudermos reconhecer os fenômenos como o jogo da mente, e se considerarmos os fenômenos como sendo verdadeiros em si mesmos, então os espíritos aumentarão e continuarão aumentando.
- YANGTHANG RINPOCHE

sábado, 21 de julho de 2012

INTERDEPENDÊNCIA NAS RELAÇÕES



Nosso erro é termos esse amor no início, o amor mútuo entre mãe e filho, mas gradativamente, com o passar do tempo, começar a dar cada vez menos valor e até passar a ver como algo desnecessário. Pensamos que podemos cuidar de nós mesmos e que não precisamos depender de mais ninguém. Embora nossa independência presumida seja um sonho vão, nos sentimos orgulhosos de nós mesmos, audaciosos e confiantes. Então, em vez de sentir amor pelos outros, começamos a sentir ciúme deles e tentamos prejudicá-los e explorá-los. Isso leva a todo tipo de infelicidade na sociedade e desgraça para nós como indivíduos. Podemos sentir como se não houvesse ninguém em que pudéssemos confiar e ninguém de quem pudéssemos realmente depender, e começamos a nos sentir isolados dos outros, separados e sozinhos. Contudo, essa situação é inteiramente criada por nós. Ela vai de encontro à nossa verdadeira natureza como seres humanos. É toda ela baseada em nossas experiências artificiais. 
- XIV DALAI LAMA -  Extraído do livro Mente em Conforto e Sossego -  A visão da iluminação na Grande Perfeição

quarta-feira, 18 de julho de 2012

EMOÇÕES NEGATIVAS



Como o samsara de manifesta? O que quer que percebamos ao nosso  redor com nossos cinco sentidos, todos os tipos de sentimentos  de relação e repulsão, se formam em nossa mente. Não são as  percepções em si que nos mantém no ciclo de existências, mas sim  o modo pelo qual reagimos a elas e o modo pelo qual as interpretamos.  É nisso que o Vajrayana nos dá meios extraordinários para não  perpetuar o samsara: ele nos mostra como perceber os fenômenos  como sendo a exibição pura da sabedoria. 
O ódio ou a raiva que possamos sentir por alguém não são inerentes  àquela pessoa. Eles existem apenas em nossa mente. Assim que vemos  o nosso inimigo, nossos pensamentos se fixam na memória do mal que  ele fez para nós, em seus ataques presentes e naqueles que poderá  fazer no futuro. Nos tornamos irritados a ponto de não sermos mais  capazes de suportar o som de seu nome. Quanto mais liberdade nós  damos a estes pensamentos, mais a raiva irá nos invadir e, com ela,  a vontade irresistível de pegar uma pedra para lhe jogar, ou de  um bastão para lhe bater. Deste modo, um simples instante de raiva  nos conduz ao paradoxo do ódio. 
O ódio parece muito poderoso para vocês, mas de onde ele tira o  poder de dominá-los a esse ponto? É uma força externa, com braços  e pernas, armas e guerreiros? Ou é uma força interna, que está  dentro de vocês? Se esse for o caso, vocês podem identificá-la em  seu cérebro, em seu coração, ou em alguma parte de vocês? 
Apesar de ser impossível de localizá-lo, o ódio parece ter uma  presença muito concreta que tende a amarrar a mente, a  solidificá-la, e desse modo a desatrelar todo um processo de  sofrimento para vocês e para os outros. Assim como as nuvens que,  apesar de serem insubstanciais para suportar o menor peso, podem  encobrir o céu e o sol, do mesmo modo os pensamentos podem  obscurecer a radiação da consciência iluminada. Reconheçam a  vacuidade da mente, sua transparência, e ela retornará por si mesma  ao seu estado natural de liberdade. Reconheça a vacuidade do ódio e ele perderá seu poder de fazer o mal. Ele se tornará a sabedoria que é como o espelho.
- DILGO KHYENTSE RINPOCHE - (1910 - 1991) 

sábado, 7 de julho de 2012

NADA SEI


O estudante Doko dirigiu-se ao mestre e disse: em que estado da mente devo procurar a verdade?

O mestre respondeu: não há mente, portanto você não pode colocá-la em nenhum estado; e não há verdade, portanto não pode procurá-la. 
Doko falou: se não há mente nem verdade, por que todos esses estudantes se juntam diante de você todos os dias para estudar?
O mestre olhou e disse: não vejo ninguém.  
O discípulo perguntou: então, a quem você esta ensinando?  
Não tenho língua, então como posso ensinar? Replicou o mestre. 
Doko disse tristemente:  não posso acompanha-lo; não posso compreendê-lo. O mestre disse: eu não entendo a mim mesmo.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

BUDA DIANTE DA TELEVISÃO



É pouco provável que todos vocês possam realizar um retiro tradicional, mas se vocês tiverem fé e confiança e aplicarem-se com ardor à  purificação e à acumulação, assim como à meditação do mahamudra, vocês  poderão compreender o que este é. 
Quando sabemos verdadeiramente praticá-la, a meditação do mahamudra é extraordinariamente fácil. Na Índia e no Tibet, dizia-se que era tão  fácil a ponto de permitir atingir o estado de Buda enquanto se  fiava a lã, ou enquanto se governava um reino, ou enquanto se  trabalhava no campo. Guarda-se a lembrança de numerosos praticantes  que atingiram a liberação continuando a levar uma vida comum; alguns eram fazendeiros, outros oleiros, outros alfaiates e etc. 
Se, durante o retiro de três anos, vocês puderem desenvolver uma boa experiência do mahamudra, poderão, depois do retiro, se assim o  desejarem, tornar-se homens de negócios gerindo milhões de dólares a cada hora do dia. Ou ainda, se preferirem, poderão estritamente não fazer nada, ficar como Milarepa, comendo urtigas e atingir o estado de Buda desta maneira. 
O mahamudra não implica deidades sobre as quais meditar, nem mantras  para recitar; a mente permanece em si mesma sem nenhuma distração, sem nada a criar ou fazer, no reconhecimento de sua essência. Se vocês souberem meditar desta forma, talvez seja possível acrescentar uma  outra possibilidade às circunstâncias que permitem atingir o estado de Buda: tornar-se Buda assistindo televisão. 
Quando praticamos o mahamudra não é preciso rejeitar as emoções conflituosas. Elas aparecem e desaparecem por elas mesmas, naturalmente. O mahamudra é tão potente que se diz que ele rasga o samsara em farrapos.
- KALU RINPOCHE - (1905 - 1989)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

MEDITAÇÃO SOBRE A IMPERMANÊNCIA


Um discípulo leigo perguntou a Geshe Potowa qual seria a prática do Darma mais importante, caso fosse necessário escolher apenas uma. O geshe respondeu:

Se você quer usar uma única prática do Darma, meditar sobre a impermanência é a mais importante. No início, a meditação sobre a morte e a impermanência faz com que você comece a praticar o Darma; depois ela lhe conduz a agir com positividade; e, no fim, ela lhe ajuda a consumar a igualdade de todos os fenômenos. 
No início, a meditação sobre a impermanência faz com que você corte os laços com as coisas desta vida; depois, ela lhe conduz a eliminar todo o apego ao samsara; no fim, ela lhe ajuda a adotar o caminho do nirvana. 
No início, a meditação sobre a impermanência faz com que você desenvolva a fé; depois, ela lhe conduz a diligência na prática; no fim, ela lhe ajuda a gerar sabedoria.No início, até que você esteja completamente convencido, a meditação sobre a impermanência faz com que você procure pelo Darma; depois, ela lhe conduz à prática; no fim, ela lhe ajuda a atingir o objetivo último. 
No início, até que você esteja completamente convencido, a meditação sobre a impermanência faz com que você pratique com uma diligência que lhe protege como uma armadura; depois, ela lhe conduz a praticar com diligência na ação; no fim ela lhe ajuda a praticar com uma diligência que é insaciável.
- Citação de PATRUL RINPOCHE no livro Palavras do Meu Professor Perfeito. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

A GURU IOGA



A abordagem universal que resume todos estes aspectos é a meditação sobre o lama pessoal como a própria corporificação de Guru Rinpoche. Guru Rinpoche, neste caso, não deve ser encarado como uma figura histórica apenas, quer dizer, como um indivíduo que apareceu após o Buda Sakyamuni neste nosso tempo e espaço particulares. A essência verdadeira de Guru Rinpoche antecede Buda Sakyamuni em diversas eras. Este fluxo mental iluminado que é o fluxo mental iluminado de Guru Rinpoche é a expressão da união da compaixão, bênçãos e sabedoria inatas de incontáveis Budas desde eras passadas sem princípio, todos concentram-se neste fluxo mental único que é o fluxo mental do grande mestre Guru Rinpoche.


Quando consideramos o Budadarma como dividido em ensinamentos de sutras e tantras, os ensinamentos que hoje conhecemos como budismo são os que foram proferidos e ensinados pelo Buda histórico, Sakyamuni. Num sentido amplo, contudo, os ensinamentos do Budadarma, e em especial os ensinamentos do caminho do mantra secreto, não se limitam apenas à expressão deste único buda. É com esta visão que podemos entender porque a atividade de Guru Rinpoche é considerada tão universal e tão abrangente. Onde quer que os ensinamentos do Vajrayana tenham sido dados no passado, ou estejam sendo dados, ou venham ainda a ser dados por qualquer Buda, onde quer que um professor espiritual esteja transmitindo estes ensinamentos, a essência de Guru Rinpoche estará corporificada ali: naquele Buda, naquele professor, naquele lama. Em diversos reinos e diferentes universos, com nomes e formas variadas, as manifestações de Guru Rinpoche apareceram e continuarão a aparecer em número incontável. Há uma grande quantidade de referências na literatura tradicional atestando esta exibição multifacetada da atividade de Guru Rinpoche. 
- PENOR RINPOCHE (1932 -  2009) - www.palyul.org